No próximo mês, o Facebook, rede social que revolucionou a forma como seres humanos interagem no mundo virtual, completa 20 anos. Nas duas décadas, a plataforma chegou a cerca de 3 bilhões de usuários ativos, mais de um terço da população mundial, e novas redes surgiram e se consolidaram. Mas, apesar de terem se tornado parte indiscutível da sociedade – é difícil conhecer alguém que não mantenha ao menos um perfil online –, todos os impactos das plataformas ainda estão longe de serem totalmente compreendidos.
Um dos fenômenos mais recentes que tem acendido o alerta de especialistas é conhecido como “tribunal da internet”. Trata-se do excesso de julgamento nas redes que se dissemina de forma rápida, em grandes proporções e dita quem está certo e errado para “cancelar” os “culpados” – numa espécie de boicote que nem sempre segue uma avaliação justa.
Especialistas explicam como o
clima constante de alerta que se criou hoje nas redes devido à “cultura do
cancelamento”, que alcança pessoas que em alguns casos têm intimidades expostas
até mesmo contra a própria vontade, afeta a saúde mental dos usuários.
“Esses julgamentos podem estar
enviesados do ponto de vista dos valores das pessoas, do funcionamento de grupo
e do que chamamos de efeito manada, quando pessoas começam a te criticar de
forma conjunta sem nem conseguir avaliar ao certo o que elas estão julgando”,
diz Gustavo Estanislau, doutorando em Psiquiatria pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP) e pesquisador do Instituto Ame Sua Mente, e continua: “Do
ponto de vista de desdobramentos de saúde mental, é bastante comum que a pessoa
comece a se sentir paranoica, desconfiada. Ela passa a achar o tempo todo que
as pessoas estão falando sobre ela, pensando nela. Essa sensação constante
aumenta um estado de alerta que gera ansiedade, uma preocupação social
excessiva: ‘Será que eu tenho sido adequado para as pessoas? Será que eu sou
querido?”
A longo prazo, pode levar a
desfechos mais drásticos de saúde. Dois casos do tipo, que levaram as vítimas a
tirarem a própria vida, repercutiram na mídia no último mês. Jessica Caneda, de
22 anos, havia sido alvo de críticas online após a circulação de imagens que
simulavam, falsamente, conversas íntimas dela com o humorista Whindersson
Nunes.
Já PC Siqueira, de 37 anos, um
dos influenciadores mais conhecidos no Brasil, foi “cancelado” após publicações
no X (antigo Twitter) exibirem uma suposta conversa em que compartilhava fotos
íntimas de menores. A Polícia Civil de São Paulo, no entanto, não encontrou
nenhum registro que fosse capaz de incriminá-lo, e o influenciador alegava se
tratar também de imagens manipuladas. Ambos sofriam de depressão.
“Ao longo do tempo, se essas
questões não vão sendo resolvidas, o que pode ser muito difícil quando as
informações estão pulverizadas e o público é enorme, você começa a passar de um
estado de alerta e ansiedade para um estado de jogar a toalha. De desânimo, de
falta de motivação para tentar reverter esse quadro. A pessoa às vezes pode
começar a se identificar com os julgamentos negativos. Essa tristeza geralmente
não acontece de pronto, mas ao longo do tempo”, diz Estanislau.
Fonte: O Sul.